sexta-feira, maio 18, 2012

O INÍCIO DAS FAVELAS NO RIO DE JANEIRO






Os cortiços do passado deram origem as favelas do Rio de janeiro. No terminal rodoviário Américo Fontenelli, precisamente, na rua Barão de São Félix, atràz da Central do Brasil, existia um cortiço denominado cabeça de porco, porque ostentava em sua fachada uma cabeça de porco esculpida em ferro.

Segundo o historiador Sidney Chatoub no final do século XIX, havia uma onda de demolição de cortiços. A demolição do Cabeça de Porco teria engrossado a quantidade de pessoas que habitavam o morro da providência por falta de moradias:
Era dia 26 de janeiro de 1893, por volta das seis horas da tarde, quando muita gente começou a se aglomerar diante da estalagem da rua Barão de São Felix, número 154. Tratava-se da entrada principal do Cabeça de Porco, o mais célebre cortiço carioca do período: um grande portal, em arcada, ornamentado com a figura de uma cabeça de porco, tinha atràz de si um corredor central e duas longas alas com mais de uma centena de casinhas. Além dessa rua principal havia algumas ramificações com mais moradias e vàrias cocheiras. Hà controvérsias quanto ao número de habitações da estalagem: dizia-se que em tempos àureos, o conjunto havia sido ocupado por cerca de quatro mil pessoas.Naquela noite de janeiro, com toda uma ala do cortiço interditada havia cerca de um ano pela Inspetoria Geral de Higiene, a Gazeta de Notícias calculava em quatrocentos o número de moradores. Outros jornais da época, porém, afirmavam que duas mil pessoas ainda habitavam o local.

Seja como for, o que se anunciava na ocasião era um verdadeiro combate. Três dias antes os proprietários do cortiço haviam recebido uma intimação da Intendência Municipal para que providenciassem o despejo dos moradores, seguido da demolição imediata de todas casinhas. A intimação não foi obedecida, e o prefeito Barata Ribeiro prometia dar cabo do cortiço à força. Às sete horas e trinta minutos da noite, uma tropa do primeiro batalhão de infantaria, comandada pelo tenente Santiago, invadiu a estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquer pessoa. Várias famílias se recusavam a sair, se retirando quando os escombros começaram a chover sobre suas cabeças. Mulheres e homens que saiam daqueles quartos estreitos e infectos “iam às autoridades implorar que os deixassem permanecer ali por mais vinte e quatro horas”. Os apelos foram inúteis e, os moradores se empenharam em salvar suas camas, cadeiras e outros objetos de uso.

De acordo com a Gazeta, porém, “muitos móveis não foram retirados a tempo e ficaram sob o entulho”. Os trabalhos de demolição prosseguiram pela madrugada, sempre acompanhados pelo prefeito Barata. Na manhã seguinte, já não mais existia a célebre estalagem Cabeça De Porco.

O prefeito Barata, num magnânimo rompante de generosidade, mandou “facultar à gente pobre que habitava aquele recinto a retirada das madeiras que podiam ser aproveitadas”em outras construções. De posse do material para erguer pelo menos casinhas precárias,alguns moradores devem ter subido o morro que existia lá mesmo por detrás da estalagem. Um trecho do dito morro já parecia até ocupado por casebres, e pelo menos um dos proprietários do Cabeça de Porco possuía lotes naquelas encostas, podendo assim até manter alguns de seus inquilinos. Poucos anos mais tarde, em 1897, foi justamente nesse local que se foram estabelecer, com a devida autorização dos chefes militares, os soldados egressos da campanha de Canudos.
O prefeito da Capital Federal foi calorosamente aclamado pela imprensa , ao varrer do mapa aquela “sujeira”, ele havia prestado à cidade “serviços inolvidáveis”. Com efeito, trata-se de algo inesquecível: nem bem se anunciava o fim dos cortiços, e a cidade do Rio já entrava no século das favelas. 3

Alguns jornais da época mencionam umas duas mil pessoas desabrigadas por conta da demolição. Participaram dessa operação mais de cem operários munidos de picaretas e machados. O então prefeito Barata Ribeiro deixou que os desabrigados ficassem com as tábuas que sobraram da operação. Com elas, subiram o morro mais próximo -Morro da Providência- e reconstruíram suas casas.

O Cabeça de porco foi famoso e vasto no Centro do Rio de Janeiro. Sua localização: próximo de onde está hoje o Túnel João Ricardo. Ostentava uma escultura de cabeça de porco por que, naquela época era usual a imagem de animais em quintas e chácaras. Por volta de 1800 era, talvez, o maior cortiço da Cidade. Um emaranhado arquitetônico que abrangia a rua Barão de São Féliz até a Pedreira dos Cajueiros, no Morro da Providência. No seu interior havia um grande quantidade de cocheiras com animais e carroças, galinheiros e até um armazém. Documentos indicam a existência de vários proprietários desde a primeira metade do século XIX. Alguns proprietários ainda constam nos nomes de logradouros próximo ao que era o Cabeça de Porco. Alguns exemplos seriam a travessa D. Felicidade e Ladeira do Faria.

Em 1891, o engenheiro Carlos Sampaio assinou contrato com o município para abrir o túnel João Ricardo e esticar as ruas de sua entrada. Em 1893, o prefeito Barata Ribeiro não perdeu tempo; baixou um decreto que permitia a prefeitura derrubar as construções insalubres da Cidade. Nesse mesmo dia foi comunicada a derrubada do Cabeça de Porco.

Ângelo Agostini, em reportagem a revista ilustrada ironizando a imagem do prefeito, fala da demolição:
Quem suportaria que uma barata fosse capaz de devorar uma cabeça de porco em menos de 48 horas, pois devorava alegremente, com ossos, pele e carne, sem deixar vestígios”4

O cortiço era o modelo clássico de construção coletiva da época. Sua destruição ocasionou a interiorização e favelização. As pessoas foram em direção do subúrbio para morar, como não era viável afastarem-se do Centro, começaram a se organizar em favelas. O estilo cortiço já revelava a preocupação em se construir espaços coletivos, ou seja, moradias direcionadas as classes pobres. Ao mesmo tempo em que isolava o pobre, amontoando-os em um mesmo local, evidenciava-se o preconceito em relação ao seu caráter.

Os argumentos que foram usados para destruição dos cortiços, no final do século XIX, foram os mesmos que removeram mais de 50 favelas – entre 1968 e 1973: local insalubre e casa de marginais. Não é difícil de imaginar o por que da crescente favelização. No século XIX, o transporte era muito mais precário e, até mesmo inexistente, o Centro do Rio de Janeiro já era um pólo comercial desenvolvido para os padrões da época. O Cais do Porto e a Casa do Comércio na Candelária era o ponto mais disputado da comercialização. Ali o escravo de ganho vendia os seus quitutes, as mercadorias francesas abasteciam a rua do ouvidor com seus produtos importados; os barbeiros faziam suas sangrias e; figuras famosas discutiam o futuro do país na Confeitaria Colombo.

Não podemos deixar de mencionar aqui a operação “Bota Abaixo”, no início do século XX, colocado em prática pelo então prefeito do Rio de Janeiro Pereira Passos. A operação desencadeou verdadeiros protestos da população pobre. Muitos bondes foram tombados e queimados. O episódio coincidiu com a “revolta da vacina”, projeto implementado pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, com o aval do então presidente da República Rodrigues Alves.

Os cortiços do Centro da cidade eram focos de insalubridade. A solução encontrada pelo governo foi a vacinação em massa obrigatória e, a derrubada dos cortiços. Aproveitando-se da situação Pereira Passos abriu avenidas e construiu prédios modelados ao estilo francês. O objetivo era modernizar o Centro do Rio, até então, Capital da República. Os moradores dos cortiços, mais uma vez, sem nenhum projeto prévio de moradias, foram arrancados de suas casas e deixados ao “Deus dará”. Sem ter para onde ir aumentaram as populações dos morros que circundam o Centro da Cidade. Foi assim que o Morro da Conceição, Morro da Providência e outros adjacentes foram sendo desmatados e ocupados de maneira irregular e insalubre. Diz o ditado: “oque os olhos não vêm, o coração não sente” e, Até hoje, quem sobe o morro da Conceição e Morro da Providência pode perceber de imediato o descarte irregular do lixo produzido pela população, um dos vestígios deixados pela falta de governabilidade.

Não havia outra alternativa, o trabalho estava no centro nervoso do Rio e a interiorização só teve exito com a remoção forçada iniciada nos anos 70. Antes do projeto de remoção se iniciar, argumentou-se muito a possibilidade de urbanização das favelas. Foram muitas as discussões, mas como veremos a seguir a especulação imobiliária foi vitoriosa. Remover ou urbanizar? Hoje podemos perceber que faltou uma projeção eficaz, ou mesmo, uma visão mais humanitária para com os destituídos de suas casas.

De uma maneira bem simples podemos descrever a saga da população pobre que ocupou as primeiras moradias do Rio de Janeiro:

A cidade era uma grande extensão alagadiça, com brejos e poças d'águas. As moradias, por essa razão eram feitas no alto do Morro do Castelo- A derrubada do morro, iniciado pelo então prefeito Pereira Passos e, totalmente executado pelo prefeito Carlos Cezar de Oliveira Sampaio, o espaço que compreendia todo o Rio de janeiro habitável desaparecera do mapa, levando consigo a certidão de nascimento do Rio de Janeiro. Com os aterramentos foi aberta a primeira rua, que inicialmente chamou-se Rua Direita, porque ao se descer o Morro do Castelo virava-se à direita para ganhar o logradouro. Posteriormente passou-se a chamar rua Primeiro de Março.

Pereira Passos formou-se Engenheiro Civil na Escola Militar do Rio de Janeiro em 1856, atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas, foi quando estudou na França-1857 à 1860, que se encantou com a reforma urbana promovida pelo então Prefeito Haussmann. Ao voltar para o Brasil, Pereira Passos foi nomeado Consultor Técnico de Obras Públicas do Império-1870. A partir daí começou a empreitada delegada a ele pelo Imperador Pedro II: “O Plano Geral de Reformulação Urbana”.

Passos vislumbrou o trabalho de Haussmann e, por essa razão, preocupou-se, não somente com o visual,mas com a crescente insalubridade que assolava as ruas do Rio de Janeiro.

Mas, foi somente com o advento da República que, nomeado prefeito da Guanabara pelo então Presidente Rodrigues Alves, conseguiu colocar em ação o Projeto de Reformulação Urbana, agora apelidado de operação “Bota abaixo”. A razão da alcunha foi a grande quantidade de cortiços que foram derrubados para construções de Avenidas e prédios. Os surtos de malária chegaram aos extremos e, foi preciso que Rodrigues Alves contratasse os serviços do então médico sanitarista Oswaldo Cruz; que enfatizou a vacinação em massa da população.

A população se revoltou com as arbitrariedades impostas pelo governo: vacinação em massa e derrubada de cortiços. Os bondes, naquela época o transporte urbano utilizado pela massa de trabalhadores, sofreram atentados. Muitos foram virados e incendiados. A Polícia Militar empreendeu uma guerra contra os insurgentes. As ruas do Rio de Janeiro viraram um palco de guerra. O saldo triste: 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1000 detidos e centenas de deportados.Não é difícil de imaginar o local que abrigou toda essa gente desalojada pelo governo. É importante ressaltarmos que não havia transporte para o subúrbio. O interior suburbano era um imenso vazio, inabitável. A esperança de trabalho e sobrevivência concentravam-se no Centro da Cidade. Por isso, não é difícil de prever o ocorrido com esses moradores que foram expulsos de suas moradias. Muitos tiveram que morar com outras famílias, outros subiram os morros adjacentes como o Morro da Providência, Morro da Conceição e Morro de Santo Antônio. Uma outra parte de desabrigados partiram em direção do subúrbio, dando início a um longo processo de favelização e interiorização das massas.Na Biblioteca de Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, encontramos o Relatório apresentado ao Sr. Dr. J.J. Seabra – Ministro da Justiça e Negócios Interiores, datado de 1906. Neste relatório podemos ter a ideia mais complacente e real do Rio de Janeiro à época das reformas do então prefeito Pereira Passos:
A situação da classe pobre era, pois, das mais precárias, apezar de haver no Rio actualmente muito trabalho bem remunerado. Mas por isso mesmo de todos os lugares circunvizinhos chegavam diariamente camponeses que trocavam o serviço da roça pelas ocupações de operários. Havia como que uma sucção pneumática em torno do Rio. A população pobre augmentava sem que augmentasse o número de casas”.

...Estavam as cousas neste pé, quando, com a subida ao governo do Sr. Rodrigues Alves (1902), começou-se a fazer a transformação do Rio de Janeiro. Os Senhores Lauro Müller, Ministro Das Obras Públicas, e Pereira Passos, o prefeito, remodelaram a cidade abrindo ruas e avenidas e derrubando casas. Por outro lado, o Sr. Doutor Oswaldo Cruz, diretor da Saúde Pública, ordenava o fechamento de um sem número de cortiços e das grandes casas divididas em cubículos, por considerá-las prejudiciais à salubridade e a hygiene, e os engenheiros municipaes faziam demolir outros tantos cortiços, por já estarem cahindo apodrecidos e velhos, com perigo de vida para os moradores”5

    A modernização do Rio de Janeiro, através de um projeto audacioso, mas, ao mesmo tempo, sem planejamento que favorecesse a classe mais pobre, custou à cidade o crescimento desordenado. Os moradores não tiveram alternativas. Uma ideia do ocorrido descaso com a população reside na continuação do mesmo Relatório enviado ao Ministro da Justiça J.J. Seabra:

...Ora todas essas derrubadas e fechamentos, se vinham sanear a cidade, como de facto vinham, por outro lado punham a população pobre em diffíceis contingências. Que sucedeu?
Como não havia casas baratas em número suficientes , essa gente se foi agglomerando nas outras habitações próximas ou então se mudou para os subúrbios.Todos os preços de casas se elevaram e então se viu que essa parte da população pagava relativamente mais caro o seu alojamento que as classes mais remediadas – e morando em casas immundas e menos hygiênicas”.6

A primeira rua do Rio, "Rua Direita", posteriormente "Rua Primeiro de março, margeava a orla que hoje compreende o bairro Castelo, Praça XV e Praça Mauá. Uma reta que tinha como limites quadrilátero o Morro do Castelo, Morro do São Bento, Morro da conceição e Morro de Santo Antônio. Na Xilografia de James Forbes, de 1765, podemos ter uma idéia desses limites.
F1-Xilografia de James Forbes- 1765 Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Nessa xilografia de James Forbes de 1765, podemos observar o espaço em que era resumida a Cidade. Do lado direito limitado pelo Morro e Mosteiro de São Bento. Ao lado do São Bento temos o Morro da Conceição. No centro, com destaque maior, avistamos o Morro do Castelo. Margeando a baia, uma linha horizontal desvenda a primeira rua do Rio de Janeiro, a Rua Direita, mais tarde Primeiro de Março.

Quando a rua Direita ficou pronta a população desceu o morro, outras ruas foram abertas e, os primeiros cortiços construídos. Sem qualquer planejamento e total falta de higiene essas construções coletivas tornaram-se sinônimo de lugar insalubre e pessoas desocupadas.
O século XX acordou com a necessidade de se modernizar a capital do Brasil. O Rio de Janeiro tinha fama de Cidade insalubre e, tal fato, impedia os investimentos internacionais e afugentava os estrangeiros. Pereira Passos, recebeu a missão de Rodrigues Alves e, o projeto “Bota Abaixo” começou a destruição do Morro do Castelo e dos cortiços. Foi ai que, verdadeiramente, o traçado que compreende as favelas cariocas começaram a se desenhar.
Augusto Motta, no início do século XX foi o fotógrafo oficial do Estado. Abaixo podemos observar a foto tirada durante a demolição do Morro do Castelo, em 1922, no governo do prefeito Carlos Sampaio. A direita podemos ver s fundos da biblioteca Nacional.
                                                        F2- Esplanada do Castelo – demolição do Morro. Foto de Augusto Motta -1922 
Com a intenção de modernizar a capital brasileira o Centro do Rio passou pelo que foi denominado de Belle époque – uma alusão as cidades francesas.
Em mais uma foto tirada por Augusto Motta observamos a rua Direita ainda no início do século XX:

F3- Rua Direita -Acervo Augusto Malta – 1920


O Plano de modernização da Capital implementado por Pereira Passos gerou um alto custo social. Sem um planejamento adequado que visasse moradias dignas para os moradores dos cortiços, a Cidade acordou na segunda metade do século XX com um problema que preocupa até hoje os governantes quando se trata de planejamento urbano: o crescimento das favelas.

É necessário lembrarmos que a esmagadora maioria da população que habitavam os cortiços e favelas eram negros e mulatos. A Abolição do negro tardia causou a queda do Império e, consequentemente, a Proclamação da República. As classes dominantes, em contra partida, substituíram a mão de obra negra pela dos imigrantes europeus. Segundo Ribeiro (1995,p.222):“A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos...”

Grande parte desse contingente recém liberto ocuparam a cidade, talvez por ser um ambiente menos hostil. Ocuparam espaços onde pudessem expressar os seus costumes e,firmarem-se na sociedade. Assim nasceu a favela. Uma alternativa, até hoje, aos pobres na luta pela sobrevivência e aceitação de si mesmo. Um lugar onde a sua identidade poderia ser exercida. A favela adquiriu, desde a sua origem, sinônimo de resistência, seja pelo samba, rap, pagode, ou outras denominações culturais. Quanto ao assunto Ribeiro (1995,p.222) comenta: “Constituíram, desde então os bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vem se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e sobreviver. Sempre sobre a permanente ameaça de serem erradicados ou expulsos”.

É na favela que surge a mais pura expressão cultural negra. O negro que vem do interior teve que se adaptar aos costumes dos que já estavam nas favelas. Esses por sua vez faziam ecoar pelos becos e vielas os seus cantos africanos e; já balançavam o corpo num ritmo compassado e ordenado. Foram os gingados dos primeiros passos que se tornaram o que hoje nós chamamos de samba. Está aí a identidade primeira do Rio de Janeiro, a gênese do povo alegre, festeiro e que gosta de cantar e sambar. O povo da favela que apesar da origem sofrida tem o mérito de introduzir suas culturas em nosso cotidiano. Suas raízes são nossas expressões culturais. Ribeiro(1995, p. 223 ) comenta : “ ...O negro urbano veio a ser o que há de mais vigoroso e belo na cultura popular brasileira. Com base nela é que se estrutura o nosso carnaval, o culto de Iemanjá,a capoeira e inumeráveis manifestações culturais”.

Concluímos que, a população urbana quando largada a esmo, lançada à sua própria sorte; tem o poder de se reerguer e de se manifestar. Fazem o que podem para nunca esquecer suas raízes, pois, é justamente esse o seu sopro de vida; sua lança, seu escudo, a arma do guerreiro. Ainda no comentário de Ribeiro(1995,p.204) temos: A própria população urbana, largada ao seu destino, encontra soluções para o seu  problema. Aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes...”

REMOÇÃO E ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

É certo que, para chegarmos ao desenvolvimento sociocultural e politico da Cidade Alta, tema desse trabalho, tínhamos a convicção de que a prévia até agora descrita seria necessária. Sem essa prévia nossas pesquisas não fariam sentido. Assim, nos ocuparemos desse capítulo com a missão de tentarmos entender melhor o plano de remoção. É necessário, atentarmos para o objetivo e trabalho das instituições envolvidas   para que possamos, realmente, chegarmos a conclusões mais concretas e elucidativas.

Preconceitos, erradicação,exclusão; proteção ambiental, insalubridade, todos esses pormenores estão incluídos, ou não, no pensamento de congressistas que, no passado estiveram diretamente envolvidos com a remoção de favelas, ou melhor dizendo, de pessoas. É certo que esse trabalho não esgota o assunto, pois, as razões especulatórias do tema são diversas. Passemos então mais adiante para tentarmos entender o plano de erradicação, desenhado pelos militares.
O plano dos militares era de erradicar as favelas do Rio de Janeiro em seis anos. Os planejamentos que se seguiram orquestraram a remoção e, redesenharam o aspecto geográfico da Cidade do Rio de Janeiro ; As idéias colocadas em pratica modelaram o futuro de milhões de famílias.
No capítulo anterior citamos o “Cabeça de Porco”, favela desmantelada pelo então prefeito da Cidade Barata Ribeiro. Já naquela época comentava-se que os barracos eram focos insalubres e deixavam a Cidade feia. É bem verdade essa afirmação, mas os registros midiáticos deixam transparecer, de maneira bem explicita, os interesses especulatórios.
A intenção declarada era urbanizar e livrar o Rio de Janeiro de focos insalubres. Não há registros, por exemplo, de projetos voltados para os moradores que eram expulsos de suas casas. Não havia essa preocupação para com essa gente.
Não é difícil perceber o descaso com que esses moradores foram tratados. Arrancados de suas casas sem qualquer assistência. Deixadas ao “Deus dará”, estimados em duas mil pessoas, subiram o Morro da Providência e contribuíram para engrossar a massa da primeira favela brasileira.
Os jornais da época não deixaram de registrar, também, além do Prefeito Barata Ribeiro a presença de representantes de empreiteiras ligadas ao ramo imobiliário na derrubada do Cabeça de Porco. Esse fato reforça o interesse mobiliário pelo local.
Em 1962, sessenta e nove anos após a derrubada do Cabeça de Porco, o então Governador da Guanabara Carlos Lacerda cria a COHAB-Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara. A estratégia de Lacerda em criar a COHAB como uma companhia de empresa mista, ou seja, uma empresa semi estatal ; onde o governo possui 51%(cinquenta e um por cento) das ações; possibilitou o controle total, político e administrativo pelo Estado; dando-lhe total autonomia na compra e expropriação de terrenos para construção de casas.
A normalidade desse processo, talvez, prevalecesse, se Lacerda juntamente com seu grupo, não se apropriasse dos 49%(quarenta e nove por cento) de ações restantes da COHAB, permitidas no setor privado. Comprando e expropriando terrenos e propriedades, Lacerda idealizou a remoção de favelas através da COHAB. Assim, com a construção de futuros conjuntos habitacionais entre 1962 e 1965, cerca de 42000 pessoas foram empurradas para o subúrbio. Fica explicito que Lacerda e seu grupo de acionistas aproveitaram-se da remoção de favelas.
Na obra “Educação e Favela” , Victor Vicente Valla nos revela que o papel da COHAB vai muito mais além de uma construtora de casas populares:

Como outras instituições de remoção, a proposta inicial explícita da COHAB colocava-se como uma instituição que trataria também das tarefas de assistência às favelas para melhorá-las, construir casas e urbanizar, para isso contando com a ajuda da Fundação Leão XIII. Na prática, além de construtora de casas populares(principalmente, mas não apenas), a COHAB, também, vai atuar no trabalho social julgado necessário na remoção das favelas para preparar sua população “inculta” para o translado da futura residência nas casas da COHAB”.7
Nos terrenos valorizados que eram desocupados pelos favelados, comprados pelos especuladores-acionistas da COHAB foram construídos prédios de luxo destinados à classe média.
Um exemplo desse processo é o espaço onde antes se localizava a Favela da Praia do Pinto, no bairro do Leblon, Zona Sul da Cidade, ao lado do Clube de Regatas Flamengo. Um incêndio até hoje de “causas ignoradas” destruiu centenas de barracos e agilizou a remoção. Hoje o local ostenta o “Selva de Pedra”, conjunto habitacional destinado à classe média.
O assunto bem comentado à época dividia opiniões. A elite burguesa preferia a remoção, assim não precisariam conviver com a pobreza e a falta de segurança ao seu lado. Alguns especialistas na área ambiental diziam que era mais barato urbanizar. Outros diziam que era preciso preservar a Mata Atlântica. Os mais radicais enxergavam a favela como um antro de marginalidade, esconderijo de ladrões e local insalubre que favorecia a proliferação de enfermidades.
As pessoas acostumadas à convivência em suas casas, com laços de família , amizades e compadrio, já haviam desenvolvido uma espécie de bairrismo na favela. O trabalho próximo de casa amenizava a jornada cotidiana; os novos blocos que surgiam na comunidade contavam a história do local e, isso enchia de orgulho os moradores . Não era só as suas casas que eram obrigados a abandonar, mas uma certa cultura que aos poucos foi se desenvolvendo e se enraizando na memória. A simples ideia de deixar a casa, amigos e ir morar a 30 quilômetros do Centro da Cidade traumatizava. Prestemos atenção no depoimento de uma moradora no site: www.favelatemmemoria.com.br que foi removida da Favela da Catacumba:

Foi difícil me acostumar com o subúrbio. Chorei muito na hora de ir embora, confessa Margarida Siqueira da Silva, ex-moradora da favela da catacumba, onde foi criada. Ela viu a comunidade ser demolida em 1970 para a construção de apartamentos de luxo na Lagoa Rodrigo de Freitas. -Todos os meus amigos moravam na Catacumba, lembra Margarida.8

A Zona Oeste era um imenso vazio. Sem infraestrutura, transportes precários e muito longe do Centro da Cidade. Das favelas que foram destruídas entre os anos 60 e 70, dentre elas: Praia do Pinto, Catacumba, Pasmado, Macedo Sobrinho e Esqueleto, aproximadamente 40 mil pessoas foram morar na Zona Oeste.

O trajeto cotidiano que os novos moradores foram obrigados a utilizar de casa para o trabalho e vice-versa, até hoje, faz da Avenida Brasil – via de grande importância que liga a Zona Oeste ao Centro do Rio – um tapete caótico de engarrafamento de carros. O planejamento urbano, já naquela época, não se deu conta desse infortúnio; ou não atentou para o crescimento populacional da Cidade, ao menos, 20 anos depois. A via, hoje em dia, após mais de 40 anos da remoção, passa por constantes manutenções ocasionadas pelo grande fluxo de veículos diários que não param de aumentar.

A COHAB do então governador da Guanabara, passa a comprar terras na Zona Oeste para dar continuidade aos planos de remoção de favelas da Zona Sul e adjacências. Extinta esta, é substituída pela CEHAB que tenta seguir o mesmo ritmo. A supervalorização dos terrenos encarece as casas populares, mas o plano do governo é vender as áreas desocupadas pelas favelas e negociá-las no mercado imobiliário. Apreciemos o texto do Jornal do Brasil de 16 de dezembro de 1979:

A CEHAB se transformou na maior compradora de terras da Zona Oeste do Estado, com um estoque de terrenos de 4,5 milhões de metros quadrados. Como sempre compra à vista e só áreas extensas, pode conseguir preços melhores. O alto preço do terreno urbano é um dos maiores obstáculos do barateamento da casa popular. Com o estoque de terras já formado e as áreas recentemente doadas pela União, a empresa já pode programar a construção de 15 mil unidades na Zona Oeste.9

Podemos concluir que o Governo Lacerda inaugurou entre 1962 e 1965, todo o processo de remoção que viria a acontecer entre 1969 e 1973. As instituições inseridas no programa, desempenharam papéis imprescindíveis no controle autoritário que se exerceu sobre os favelados. A obra “Educação e Favela” sintetiza bem essa afirmação:

Outra medida importante foi a definitiva incorporação da Fundação Leão XIII ao Estado. A mudança em algumas instituições e a criação de outras, criaram a base institucional para execução de uma estratégia de controle autoritário dos moradores de favelas pelo Estado-Levada a cabo pelo então governo Lacerda. De uma certa forma a relação Estado-Favelas que se estabeleceu entre 1962 e 1965, foi uma antecipação do que viria a acontecer a partir de 1969 até 1973. Pode-se dizer que o governo Lacerda, expressou, mais diretamente os interesses do empresariado imobiliário e financeiro, da cúpula da Igreja Católica carioca e dos setores conservadores das camadas médias”10

Após o governo de Lacerda, Negrão de Lima, o seu sucessor, fica entre o dilema : urbanizar ou remover? As verbas do BNH -Banco Nacional de Habitação, que fortalecia o programa – já estava com o seu caixa abaixo da expectativa- Negrão de Lima, então, opta por fazer as duas coisas, remoção e urbanização.

O plano da CHISAM – Coordenação de Habilitação de Interesse Social da Área Metropolitana - órgão criado pelos militares – era erradicar as favelas do Rio de Janeiro em aproximadamente 6 anos. Em 1968, 0 ministro General Albuquerque Lima traçou um plano para amenizar a crise habitacional. Tratava-se da construção de 150 mil casas populares, que abrigariam 450 mil favelados. O plano do general baseou-se nas áreas não aproveitadas dos governos estadual e federal que seriam doados à COAB. Seriam construídos imóveis de 62 metros quadrados de área, cabendo aos compradores o acabamento final. Qualquer favelado poderia se candidatar, bastando para isso a apresentação da carteira de trabalho. A prestação mensal seria de 49 cruzeiros novos. Levando-se em consideração que o salário mínimo vigente em 1968 era de Ncr$ 129,60 (cento e vinte e nove cruzeiros novos e sessenta centavos), o novo proprietário teria de gastar mais de um terço do seu soldo mensalmente. Para os parques proletários foram os que não tinham condições nenhuma de pagar pela nova moradia. Dizia-se a esses desafortunados que ficariam ali até suas casas ficarem prontas. O Jornal do Brasil na edição do dia 16 de dezembro de 1979, dez anos depois da remoção de 1969, publicou a seguinte entrevista de um ex morador removido de seu barraco:

Quando botaram a gente aqui, disseram que era por pouco tempo, até que ficassem prontos os conjuntos lá na Fazenda Botafogo. Já estou aqui há seis anos com 11 crianças, minhas e de parentes, numa casa que não dá prá gente andar direito”.Elvira Ribeiro da Rocha é moradora numa casa de triagem germinada no “Cavalo de Aço”, como é conhecida uma gleba do conjunto Miguel Gustavo em Santíssimo.

Só mesmo botando fogo nos quatro cantos do mundo. Me tiraram do céu e me botaram no inferno.Isso aqui parece um chiqueiro. As crianças dormem todas jogadas pelo chão. E ainda por cima não resolvem o problema desse atraso ( José Enedino de Brito – Pedreiro, morador da gleba Carinhoso do conjunto Miguel Gustavo).
Num momento de desespero, José Enedino desabafou. Depois de discutir com um dos funcionários da Administração local da CEHAB por causa de CR$ 8 (oito cruzeiros) de juros no atrazo do pagamento da taxa de ocupação da casa de triagem onde mora, a CR$ 95 (noventa e cinco cruzeiros por mês).11

Na Biblioteca do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, esta o livro da CHISAM – elaborado pelo Banco Nacional de Habitação e o Ministério do Interior. Nesse livro consta, passo à passo, todos os procedimentos adotados pelos militares referentes a grande remoção de favelas que se empreendeu a partir de 1968.

O cálculo da erradicação iria de 1971 à 1976 com a construção de 92.000 moradias por ano. Esperava-se que em meados de 1976 não houvessem mais pessoas morando em barracos. Para que o plano de remoção desse certo, a CHISAM iniciou o cadastramento dos barracos e de seus moradores através de pesquisas encomendadas. Com o levantamento adquirido teriam como saber o tipo de moradia que teriam que construir. Se os moradores iriam para uma casa de 3 quartos, 2 quartos, 1 quarto ou parques proletários.

Essas pesquisas eram encaradas com muita desconfiança por parte dos moradores. Houve vários registros de manifestações de resistências. Os agentes de pesquisa eram confundidos com a polícia, fiscais do governo e colaboradores. São conhecidas, desde os fins da década de 30, esforços para equacionar esse grave problema. São conhecidos os programas de urbanização desenvolvidos pelo SERFHA-Departamento de Recuperação de Favelas do Estado- e por outras entidades privadas e oficiais.

As verdadeiras intenções da CHISAM, segundo seus idealizadores, em relação a remoção, estão estabelecidas no livro que guarda o seu projeto:

Orientavam-se os programas dessa época no sentido da modificação do STATUS social dos favelados, por meio da erradicação total das favelas e transferência dos seus moradores para conjuntos residenciais de “casa embrião”, suscetíveis de ampliação pelo novo proprietário. Os objetivos foram parcialmente atingidos e, na atualidade são encontrados nessas vilas residenciais totalmente diferentes das originalmente construídas”.12

Um dos paradoxos dessa afirmação encontra-se na certeza de que as vilas estavam diferentes de sua estrutura original. Na verdade, hoje, as famosas “puxadinhas” que os moradores fizeram ao longo dos anos em suas casas, deixaram os conjuntos habitacionais com uma visão degradada. A desorganização imperou. O plano da CHISAM, para a construção de novas moradias para suprir o aumento per capita da população não foi adiante. A população cresceu em um ritmo bem mais acelerado e, as famílias sentiram a necessidade de mais espaço. Daí surgiu o aumento das casas e, no entorno dos conjuntos a manutenção das favelas. A projeção per capita anual, que previa a construção de mais módulos residenciais, prevendo o crescimento da população das favelas, não foi adiante. Diante desse quadro as gerações foram crescendo e, sem um planejamento adequado para o desenvolvimento sociocultural da população; a visão arquitetônica sofreria a degradação desses espaços habitacionais.
É importante ressaltarmos que o BNH – Banco Nacional de Habitação – foi criado em 21 de agosto de 1964 – ano e mês do golpe militar. Para que a instituição pudesse caminhar e executar o plano militar habitacional; criou-se ,também, o Sistema Financeiro de Habitação, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e toda a legislação pertinente à construção de moradias para a classe de baixa renda. O que dá veracidade a essa afirmação é, o próprio livro da CHISAN – espelho do pronunciamento militar no que diz respeito ao plano de habitação - elaborado em 1971 no governo do então presidente Garrastazu Médice:

Um papel de relevância deve ser atribuído à lei 4380, de 21 de agosto de 1964, que criou o BNH, do qual se originaram o Sistema Financeiro de Habitação, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e toda a legislação que tornou possível um equacionamento realista da problemática habitacional das famílias de baixa renda.

No caso específico da área abrangida pelo Grande Rio, a falta de ritmo satisfatório no atendimento à demanda habitacional de baixa renda levou o BNH a um exame mais aprofundado da questão, tendo sido constatado que as dificuldades principais que impediram a solução do problema de habitação de baixo custo residiam fundamentalmente em:

1- Falta de recursos e investimentos por parte dos governos dos Estados em seus planos habitacionais, particularmente na área de baixa renda;
2-falta de terreno, econômica, técnica, social e urbanisticamente utilizáveis para a construção de habitações de baixo custo;
3-diversificação de órgãos públicos e privados atuando sobre os mesmos problemas, de forma desordenada e individual, conduzindo à pulverização de recursos;
4-falta de estabelecimento, consolidação e continuidade de uma política de habitação de baixo custo no Grande Rio, o que vinha impedindo decisões coerentes e objetivas;
5-multiplicidade de soluções e improvisações, sem coordenações de trabalho e finalidades objetivas;
6-O próprio dimensionamento atingido pelas favelas revelava a necessidade de o assunto ser analisado sob outros prismas. A variedade de idéias, recomendações, planos e projetos apresentados ao Governo Federal com vistas ao problema das favelas, levou a que o Ministério do Interior desencadeasse um processo de atuação intensiva junto aos governos estaduais e entidades privadas ligadas ao assunto, de forma a efetuar um trabalho coordenado capaz de gerar soluções objetivas em prazo hábil”13

O governo militar que se instalou no mês de agosto de 1964 não perdeu tempo quanto ao projeto de remoção de favelas no Rio de Janeiro. Cinco meses depois, agosto do mesmo ano, criaram o BNH – Banco Nacional de Habitação – responsável pela pesquisa de campo realizada, objetivando a erradicação de favelas. Três anos mais tarde criaram o FGTS que foi, naquela época, uma troca de benefícios; ou seja, essa medida, veio para acabar com a instabilidade que o trabalhador usufruía na empresa quando completava dez anos de trabalho.

O curto prazo em que o plano de erradicação foi elaborado nos leva a acreditar que, se os militares já não tinham esse plano engavetado, no mínimo já pensavam na possibilidade. Há uma critica explicita aos governos estaduais e entidades privadas quanto a construção de casas para a erradicação das favelas. O governo militar, através do relatório do BNH, os desqualifica, mencionando-os como incapazes de dar conta de tal empreitada. Há, porém, um fato histórico que pode desmistificar pelo menos em parte todo esse discurso. O pleito eleitoral de 1965 , deu posse a dois governadores que não haviam sido indicados pelos militares: Negrão de Lima no Rio de Janeiro e Israel Pinheiro em Minas Gerais. Setores ligados à ditadura militar fizeram de tudo para promover a ingovernabilidade desses governos.
Dessa maneira, o governo militar negou, de maneira velada a infraestrutura necessária para a continuidade e sucesso da erradicação. A falta de planejamento urbano comprometeu o sucesso da remoção. O transporte urbano, precário e quase inexistente, gerou um custo adicional de tempo e dinheiro para as famílias, principalmente àquelas que foram morar na Zona Oeste da cidade. Com o fim da ditadura militar em 1986, o BNH fecha as suas portas e , os recursos destinados à construção de casas destinadas à famílias de baixa renda são suspensos.

O BNH gerava receita através do Sistema Financeiro de Poupança e Empréstimo, após 1967, concentrava, também, poupanças populares compulsórias através do fundo de garantia de tempo de serviço. Segundo Valla (1986), o poderio econômico do banco tornou-se assim muito grande. Em 1973, por exemplo, controlava quase seis por cento do valor do produto nacional bruto e em 1975 cerca de dezesseis bilhões de dólares.

O BNH foi criado com o intuito de favorecer a classe de baixa renda, facilitando a aquisição das unidades nos conjuntos habitacionais. Valla argumenta esta questão e enfatiza o não cumprimento dos compromissos da Instituição:

Os objetivos declarados do BNH que constam de seu projeto de fundação, desdobram-se a partir da proposta de: “fomentar a construção e a aquisição de moradias, sobretudo por pessoas das classes de baixa renda”. Eram objetivos explícitos do BNH:
1-Estímulo a indústria, principalmente a de base ( aço e bens intermediários);
2-Criação de muitos empregos;
3-Canalização da poupança popular para investimento de longo prazo; combatendo dessa forma a inflação;
4-Reativar mercados de capitais;
5-Elevar a qualificação de trabalhadores e a produtividade;
6-Resolver o “problema da favela”.

Os primeiros objetivos estão ligados a medidas econômicas visando a recuperação da crise econômica então existente na economia brasileira, pois o estímulo à construção civil pelo Estado tem se constituído numa medida importante no combate ao desemprego, na ampliação do consumo e na reativação da indústria dentro do sistema capitalista. O último objetivo visa mais especificamente um alvo de natureza político – social, qual seja: a diminuição das “tensões” sociais provocadas pelas favelas. A solução do problema favela, visto como essencialmente uma questão de défict de moradias urbanas.

Entre os objetivos não explícitos pelo BNH pode ser incluida a busca de lucro, objetivo este procurado por qualquer empresa capitalista. Por outro lado, a medida em que o tempo vai passando, o Banco vem financiando uma proporção cada vez maior de habitações para as camadas baixas ou mesmo altas.

Embora de início os principais objetivos do BNH tenham sido capturar a boa vontade das classes sociais subalternas e “ contribuir para retirar a economia da crise depressiva dos anos 1963-1967, o BNH transformou-se efetivamente a partir de mecanismos instrumentalizadores – como o FGTS – em poderoso mecanismo de acumulação, através do qual as moradias construídas pelos trabalhadores não mais se destinam a eles, mas às classes sociais de renda mais altas. Isto significa que apesar de sua principal justificativa social ter sido a distribuição de riqueza( através da moradia) para os trabalhadores pobres, o BNH transforma-se em um instrumento de fortalecimento do capital. Através de mecanismos que incidem sobre os salários FGTS ,por exemplo, o BNH vai cada vez mais sendo um banco de financiamento dos investimentos públicos e privados na indústria da construção civil, indo mesmo além da construção de casas.14

Resolver os problemas da favela e diminuir as tensões sociais. Estes foram os objetivos declarados do BNH. Num momento de crise econômica, a construção civil objetivou o controle da inflação. A simples remoção de pessoas para lugares distantes, sem estruturas básicas que atendessem os anseios de uma nova vida, provocou um desconforto total na população de classe baixa. A favela vista como um problema social que provoca tensões na sociedade, foi encarada como um mal que incomodava a classe média, nas suas respectivas localizações geográficas. A proposta era remover e não urbanizar. Por essa razão não houve um consenso, um olhar que se posicionasse quanto as verdadeiras das famílias que foram removidas. Uma melhor elocubração e conclusão do referido está deferido nas palavras de Valla:

Cabe reter aqui o quanto o pensamento que orienta a proposta do BNH possui de falso no tocante às justificativas de ajuda às camadas populares. A importante justificativa até hoje utilizada de que o BNH objetivava sobretudo “resolver o problema da favela” e “diminuir as tensões sociais” , pressupõe uma visão seccionada do fenômeno favela. A favela não é apenas uma alternativa aos pobres à falta de moradias urbanas. A questão favela não se limita apenas à questão de moradias, suas causas não se limitam ao defict de moradias urbanas baratas. Essa visão tecnocrata da realidade restringe-se a ver o mundo a partir da lógica da classe dominante, desconhecendo que a favela é parte de uma estratégia mais ampla de sobrevivência da parte da população favelada, que inclui outras coisas além do não pagamento de moradias, ou seu barateamento acentuado. Nela estão incluídas questões como: menos despezas com os transportes face a maior proximidade com o trabalho, barateamento de serviçõs através de uma rede informal de ajuda entre os moradores; facilidade de “biscates” pelo fato de morar perto das regiões mais ricas da cidade, etc.15

Em 1963, o governo Lacerda aceitou uma parceria com a USAID- Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos. O governo Lacerda via no projeto a oportunidade de ganhar notoriedade diante da população favelada, pois sua imagem estava bem desgastada. Por parte da USAID o objetivo era implementar programas assistencialistas que abrangesse toda a comunidade pobre de países comunitários. O aparelho ideológico estaria, assim, realizando o seu objetivo de dominar e manter sobre controle a população favelada.

O programa, denominado BENDOC – “Brasil e Estados Unidos – Movimento para o Desenvolvimento e Organização de Comunidades”, teve início em outubro de 1964, através de uma verba inicial de 450 mil dólares. A fundação Leão XIII foi a instituição escolhida para gerir o projeto. Valla nos dá a idéia da atuação desse aparelho ideológico:


Ao mesmo tempo em que absorvia totalmente o BENDOC em sua estrutura, a Fundação Leão XIII aumenta seu controle sobre as melhorias em favelas, reativa centros médicos e educacionais, aumenta os dispositivos controladores junto às associações de moradores, enfim, novamente amplia aos pouco sua capacidade de exercer uma dominação ideológica, jurídica, política e até mesmo policial sobre boa parte dos moradores de favelas do Rio de Janeiro”. 16

A partir daí é que surgiu a CHISAM, a grande responsável pelas remoções de moradores até 1973. Totalmente subordinada ao Ministério do Interior e do BNH, a CHISAM foi criada através da idéia de que as favelas constituiam um problema social. Se persistisse o programa do governo Lacerda, o BNH e a Indústria de Construção Civil não seriam beneficiados. As companhias de poupanças , créditos e finanças não funcionariam. Tudo isso sem contar que continuaria a ocupação de terras valiosas na Zona Sul do Rio.

Segundo o planejamento da CHISAM, o número de barracos existentes na Área Metropolitana da Cidade chegava a duzentos mil, com um total de um milhão de moradores. Em 1968 seriam necessários 1,6 bilhão somente para construção dessas habitações. Os recursos da poupança mostravam-se insuficientes para a realização das obras, pois, segundo o programa, havia muita famílias de baixa renda.

Eram necessário a captação dos recursos federais e estaduais. Assim, os dois juntos participariam de programa inovador. Poderiam usufruir dos resultados da erradicação e, portanto, aumentarem seus pretígios junto a mídia que representava a classe burguesa e, clamavam pela aniquilação das favelas. Segundo o relatório da CHISAM:

Acrescentando s recursos necessários à obras de infra-estrutura – abastecimento d'gua, esgotos, iluminação-, assim como o valor dos terrenos e o custo operacional dos organismos execultores, concluiu-se que o problema não poderia ser resolvido a curto prazo. Tratando-se de famílias de baixa renda, pouquissimos recursos originários de suas poupanças poderiam ser adicionados aos investimentos governamentais. Era necessário, porém canalizar recursos do governo dos Estados, do governo Federal e de entidades privadas. Impunha-se ainda utilizar a fôrça de trabalho dos próprios favelados. Em síntese, tratava-se de instituir um sistema de soma de recursos apto para aumentar a oferta de moradias a um nível igual à demanda provocada pelo crescimento demográfico nas favelas. 17

Chamamos a atenção para a citada demanda do crescimento demográfico, pois, adiante veremos que ainda nos anos 70 a grande maioria dos moradores removidos estavam com suas prestações muito atrasadas. Primeiro pela falta de estrutura, seja ela urbana, na área de transportes, ou até mesmo no que tange a inserção social. A real distribuição de renda que deveria chegar aos favelados, que seria a aquisição da casa, não aconteceu de fato. Muitos tiveram que vender o imóvel novo e voltar para a favela. Tudo isso se deve também ao crescimento vegetativo da população favelada.

Apesar do discurso de uma nova vida aos favelados, com oportunidades de especialização da mão de obra para a aquisição da renda; o que se viu, foi uma grande diáspora de favelados que aos pouco tentou se afirmar em suas novas moradias. A falta de estrutura mínima e a péssima qualidade dos módulos fizeram com que, com o passar do tempo muitos voltassem para a favela. Através do site www.favelatemmemoria.com.br podemos compreender melhor este paragrafo:

Pelo menos cinco grandes comunidades da Zona Sul e da grande Tijuca foram destruídas nos anos 60 e início de 70: Além da Praia do Pinto(no Leblon), as favelas da Catacumba (na Lagoa) , Macedo Sobrinho (no Humaitá), Pasmado (em Copacabana) e Esqueleto (na Tijuca). Juntas, elas abrigavam cerca de 40 mil pessoas.Grande parte dos moradores removidos foram transferidos para conjuntos habitacionais recém construídos na Zona Oeste. “ A Cidade de Deus era muito isolada, não tinha infraestrutura nenhuma para receber os moradores removidos. Os moradores achavam estar fazendo bom negócio ao ser transferidos para apartamentos no subúrbio. Eles só deram conta da realidade quando chegaram lá. A Zona Oeste era um grande vazio. A longa distância do Centro da Cidade, a precariedade dos transportes e a infraestrutura ainda em fase de instalação, causou grande descontentamento entre os removidos. Anos depois, alguns venderam suas casas e voltaram a morar em favelas da Zona Sul.”18

O documento da CHISAM, produzido pelo militares, parece nos dar a idéia de planejamento ideal e, organizado. A preocupação com o bem estar dos moradores e, a promessa de uma vida digna e promissora vigora por quase todas as páginas do projeto. A voz de quem viveu a remoção de favelas, está reproduzida em diversos trabalhos científicos a que temos acesso. Os prós e os contras são, aos poucos decodificados pelas falas, já embargadas desses moradores. Paralelo às declarações militares, uma nova visão foi se descortinando, dessa vez, através da visão dos principais atores envolvidos:

No auge da ditadura militar, o governo federal criou um órgão chamado Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (CHISAM), que tinha como objetivo principal acabar com todas as favelas da cidade num prazo máximo de dez anos. De 1968 até 1975, cerca de 100 comunidades foram destruídas e mais de 150 mil pessoas removidas.

Houve pressão externa e também muita especulação imobiliária. Políticos e construtoras tinham interesse na desfavelização da Zona Sul. A verdade é que foi uma questão de jogar o problema para longe. “Todos os conjuntos habitacionais construídos nessa época depois se transformaram em guetos”, afirma o sociólogo José Arthur Rios, Coordenador de Serviço Social do Governo Carlos Lacerda e autor de um dos primeiros estudos sobre favelas, nos anos sessenta.

Essa política remocionista rende até hoje muita polêmica entre pesquisadores e ex- moradores das favelas atingidas. Alguns dos principais líderes comunitários teriam sido cooptados pelo governo para ajudar no processo de cadastramento e na logística das mudanças. O Estado passou a criar mecanismos de coação, troca de favores. Algumas associações foram inclusive criadas pela própria Prefeitura para facilitar as remoções.

Um dos casos mais polêmicos foi a remoção, feita pelo Estado, da Favela da Praia do Pinto, que ocupou até 1968 um local nobre da Zona Sul carioca, ao lado do Clube do Flamengo, onde hoje existe o condomínio Selva de Pedra, no Leblon. A dona de casa Maria Rosa de Souza Noronha, ex- moradora da Praia do Pinto, deixou a comunidade uma semana antes do incêndio (de causas ignoradas), que destruiu centenas de barracos e apressou o término da operação de remoção.”19

O que vale muito ressaltarmos no caso das remoções é a importância que foi dada ao removidos de suas casas. O tratamento igualitário à todos os favelados parece ter tomado proporções parciais, de modo a agraciar aqueles que teriam melhores condições de pagar uma moradia. Talvez, o despreparo do programa de remoção tivesse causado desconforto aos desprovidos de bens já que ,os critérios utilizados eram baseados em posses de bens duráveis. Há também a questão dos Parques Proletários, instalações destinadas aos desprovidos de posses, ou seja, aqueles que de maneira alguma tinham condições de arcar com a prestação da nova moradia.

As famílias que se destinavam aos Parques Proletários, chegavam lá com a promessa de que era apenas uma questão de tempo até ficarem prontas novas unidades habitacionais. Talvez, possamos evidenciar, a partir desse fato, que essa parcela de gente foi ignorada pelo Estado, jogada a esmo em seu incerto destino. O incômodo com as favelas já havia se manifestado através do Código de Obras do Rio de Janeiro, em 1937 – que já propunha a “eliminação completa das comunidades carentes e a criação de parques proletários. Foram construídos entre 1941 e 1943 três parques, no Leblon, Gávea e Cajú, depois de alguns anos, seus moradores seriam expulsos pela especulação imobiliaria.

A revista CHISAM – 1971- representou um achado na Biblioteca da Cidade por conter em seu interior todo o pensamento militar no que diz respeito a remoção das favelas a partir dos anos 1968. Ali está todo o processo do projeto de remoção. No interior dessas páginas encontram-se os pormenores, passo à passo, ou, ao menos aquilo que foi imaginado e, o que de concreto poderia se viabilizar no proceso de remoção de favelas. Vale ao historiador obstinado ao tema à apreciação do documento, pois é raro e, talvez único. Justamente por causa da importância e raridade dispensada ao documento, não podemos escanear ou fotografar suas imagens, mas nos foi permitido copiar grande parte do texto e; o trecho que define o plano de remoção elaborado pelos militares segue abaixo, com exclusividade e na íntegra:

Quando da sua criação, a CHISAM, após consulta ao BNH, estimou como viável um investimento da ordem de CR$ 200 milhões na Área Metropolitana do Grande Rio, até dezembro de 1970, recursos esses dos quais se somariam parcelas consideráveis dos dois Estados.

Em junho deste ano, segundo o gráfico, a população de favela esta estimada em torno de 465.000 habitantes. Com um programa de habitação para 92.000 pessoas por ano a partir de junho de 1971, podemos afirmar que, em 1976, não haverá mais população morando em favelas no Rio de Janeiro. A construção de 20.000 unidades habitacionais, diminuiu ano a ano 92.000 favelados na Guanabara. Dessa forma em junho de 1972, haverá, apenas 370.000 favelados. Esse procedimento é válido para os demais anos.

Sabemos o quanto é difícil planejar para que toda a população do Rio de Janeiro esteja morando fora das favelas em período de 5 anos, principalmente se levarmos em consideração que o Brasil é um país em proceso de urbanização e que 50% de sua população mora na Zona rural, com muito poucos claros de integração em áreas, nos quais os níveis educacionais e especialização profissional aos fatores determinantes dessa integração social nas zonas urbanas.

As favelas não nasceram por geração espontânea – os locais foram escolhidos pelos favelados, tendo em conta suas necessidades. De um lado a inexistência de um plano adquado de desenvolvimento urbano elaborado pelos governos locais impediu o recebimento e ordenação dos fluxos migratórios. Não encontrando oportunidades de elevarem suas rendas, de aprimorarem sua capacitação profissional ou de encontrarem um mercado de trabalho que lhes garantissem uma integração total na sociedade, essas populações se localizaram em subabitações.

    *População estimada em 465.128 pessoas emjunho de 1971, com uma taxa de crescimento de 2,7% ao ano.
    De outra parte, os vazios urbanos existentes na área Metropolitana do Grande Rio , de propriedade do governo Federal e dos Estaduais, , assim como as propriedades abandonadas ou mal aproveitadas por seus proprietários, ainda hoje são uma alternativa que os favelados aproveitam para a construção de seus barracos.
Levantamentos efetuados, em 1964 revelaram que 23% das áreas faveladas do grande Rio pertencem ao Governo Federal, 27% dos governos Estaduais e 44% constituem propriedades privadas , havendo 6% de terrenos cujas propriedades são duvidosas ou desconhecidas.

Não tendo os governos dos Estados ingerência nas propriedades federais, não puderam impedir sua invasão. A incapacidade financeira de utilizar suas próprias áreas, aliada a auma infra-estrutura deficiente de manutenção de seu patrimônio, facilitou a invasão e favelização verificada. Com poucos locais disponíveis altamente valorizados e inalienáveis, ou com as áreas possíveis de construção localizadas fora do mercado de trabalho de seus eventuais e futuros moradores, viram-se os governos dos Estados sem condições de localizar razoavelmente as habitações de baixo custo.

Iniciou-se, então, atrvés da Coordenação Geral de Transferência de Terrenos, órgão do BNH, um levantamento de áreas de terras pertencentes ao patrimônio da União e ao INPS, que não tivessem sendo utilizados e se prestassem para programas habitacionais, tanto naárea do Grande Rio como no resto do páis. Concluiu-se que só na Guanabara e regiões circunvizinhas oferecia-se uma disponibilidade, localizada no perímetro urbano, superior a 11 milhões de metros quadrados, suficiente para cerca de 45 mil habitações.20


Já no início das afirmações acima podemos perceber que o plano de erradicação da população nas favelas não surtiram efeito. A falta de verba e a não manutenção da população de favela vejetativa, já no final dos anos 70, impediram a manutenção do programa. Sem contar é claro com a população que despreparada para a nova impleitada retornou para o seu local de origem.

Já era de conhecimento do Governo Federal que metade da população brasileira era ruralista e que o país, nesse momento encontrava-se em processo muito lento de ubanização. O Governo Federal imputa toda a responsabilidade da ocupação desordenada na cidade aos governos de Estado, incluindo-se nesse desfecho a “incapacidade” de gerir seus próprios recursos, deixando o espaço urbano incapacitado de recebe o fluxo migratório de nordestinos que tomaram conta das encostas e locais nobre do Rio de Janeiro.

Fica bem explicito também que havia um consenso a respeito da capacitação educacional e profissional desses novos citadinos. Não é analizado, porém, com maior ênfase a proposta de um programa voltado para a capacitação real de integração desse contingente dentro dos anseios da cidade.

Os levantamentos que foram feitos pela CHISAM para apontar áreas do Governo Federal e Estadual própicias ao plano de habitação deram-se todas na Zona Oeste e Norte da cidade. Fica bem evidenciado que as áreas já ocupadas pelas favelas – valorizadas por estarem em locais nobres teriam que ser desocupadas. Não se percebe a possibilidade de urbanização, os argumentos inclinam-se à uma só decisão, enfática e soberana: erradicação já.

No referido documento da CHISAM, podemos ter uma idéia dos primeiros contatos com os moradores de favela. O relatórios feito pelo Conselho Comunitário tinha como objetivo explícito a segregação daqueles que poderiam ir para uma unidade habitacional e os que deveriam ir para os parques proletários. Esse relatório trás na íntegra o parecer do Governo Federal quanto à pesquisa elaborada e aplicada aos favelados. Um processo de seleção que veladamente pode ter excluído uma grande parte dessa população:

O Conselho Comunitário ou de moradores é uma sociedade representativa dos habitantes de um determinado conjunto residencial. Seu objetivo: dar à população consciência das suas reais possibilidades, conduzir a comunidade a participar de seu próprio processo de desenvolvimento. Expandi-la, enfim, sob os pontos de vista cultural, econômico e social, preparando-a para a autodeterminação e perfeita integração na sociedade.

Os primeiros contatos estabelecidos com a favela feitos através da imprensa, escrita, falada , televisionada, não de maneira desejada, porém, espontânea, isto é, com a criação da CHISAM em março de 1968, imediatamente surgiram as primeiras especulações em torno do novo órgão.

Ministros do Estado, governadores, o coordenador da CHISAM, diretores do BNH, arquitetos, engenheiros, sociólogos e estudiosos foram estrevistados e opinaram sobre o assunto. As esperanças e críticas começaram a surgir.

A medida que a programação, diretrizes e filosofia das atividades a serem desenvolvidas pela CHISAM foram se concretizando, através de documentos escritos, entrevistas oficiais e divulgação pela imprensa; desabou nas favelas uma avalanche de comentários e boatos sobre o que se pretendia realizar.
Sentia-se que havia necessidade de concretizar-se algo que viesse despetar na população favelada um pouco de credibilidade. Até novembro de 1969 a palavra oficial da CHISAM não chegou às favelas.

A tática do diálogo, até aquela data, baseou-se em duas premissas básicas:

a) dar início a um programa de construção de habitações que pudessem vir a ser adquirida pelos favelados e que de fato fossem a eles destinados.
b) Revelar publicamente que só seriam removidas favelas que por motivos evidentes não pudessem permanecer onde se situavam.

Mas em dezembro de 1968, iniciou-se um programa de construção de 7.932 habitações em diversos bairros da Guanabara e eram revelados as razões pelas quais determinadas favelas deveriam ser removidas.

Durante o primeiro ano de vida do órgão coordenador diversas dificuldades tiveram de ser superadas, dentre as quais destacamos:

1- Fixação das Diretrizes e do Programa
Enquanto eram construídas as habitações , especulações de toda a ordem vinha à público. Que as habitações não seriam para os favelados – remover uma favela era um ato desumano, o certo era urbaniza-la ou melhorar com paliativo do ambiente; a mudança do favelado iria gerar um colapso financeiro; faltariam recursos e as obras não seriam concluídas, as construções não seriam acessíveis aos favelados, efetuar um programa de desfavelamento no Grande Rio geraria um fluxo migratório que iria aumentar os problemas das favelas , entre outros.

Os únicos que não opinavam eram os favelados. Uma infinidade de técnicos e psedeutécnicos emitiam opiniões, defendiam teses, propunham soluções, porém os interessados diretos ficavam mudos. Utilizando o processo de trabalhar com dedicação e convicção de que estávamos certos, virtualmente nenhuma crítica foi oficialmente rebatida.

2- Atingimento das Metas Preestabelecidas

A meta era realizar um programa de construções de novas moradias de baixo custo, a curto prazo, de cerca de 30.000 habitações. Em fins de novembro de 1969, quando as primairas habitações estavam em fase de conclusão, tornou-se necessário e oportuno os primeiros contatos direto com os favelados.

Contratou-se, com o Centro Nacional de Pesquisas Habitacionais (CENPHA), uma equipe de sociólogos, engenheiros, arquitetos, assistentes sociais e estudantes para o estabelecimento dos primeiros contatos com os favelados.

A orientação básica era de que

1- Em caso de reação ou da maioria da população de determinada favela não concordar com a remoção, que fosse procurada outra dentre as 64 selecionadas, onde o ambiente fosse o mais favorável;
2- Que os favelados fossem levados para ver as habitações construídas e as características dos novos conjuntos.

Foram surpreendentes os resultados destes dois simples procedimentos. O primeiro contato direto que se estabeleceu com os favelados foi através de notificações pela imprensa falada, escrita, televisada e por comunicação oficial às entidades representativas da favela de que , em dia e hora maracada, uma equipe de técnicos iria à favela para fazer levantamento completo de sua situação. Via de regra os favelados recebem informações sobre o local, tipos de habitações, tamanhos, custos, condições de pagamento dos diversos tipos de habitações disponíveis.

Paralelamente a essas informações, é efetuada a numeração dos barracos, onde se estabelecem em um croquis, setores da favela com barracos e principais detalhes característicos de cada setor, tais como vielas, ruas, bicas de água, biroscas, cultos, etc.

Numerados os barracos e definidos os setores, são os mapas ou croquis distribuídos aos “entrevistadores” que irão realizar o levantamento sócio-econômico das famílias do setor que lhe compete.

Técnica de Levantamentos Sócio – Economicos

Em seus levantamentos sócio-econômicos e de história de vida das populações faveladas a CHISAM vem usando dois tipos de entrevistas:
A- Entrevista aberta ou qualitativa com questionários dirigidos para obter informações a cerca da história da vida das populações faveladas (nesse caso são entrevistados os líderes da favela, birosqueiros e associações de moradores, chefes de terreiros, espíritas, pastores protestantes, etc). Em nossos trabalhos de pesquisa só usamos esse modelo quando desejamos levantar a história da favela.

Nesse caso as perguntas são dirigidas para a origem da comunidade. Como os primeiros moradores vieram e se intalaram no local. Que causa levaram essas pessoas a preferirem esse lugar e não outro. Se esses moradores eram de origem rural e não urbana. A quem pertencia o terreno na época da instalação dos primeiros barracos, etc.
B- Entrevista Codificada, com a finalidade de levantar as condições sócio-econômicas das famílias. Esse método de comunicação é a principal técnica usada, pois permite planejar a habitação adquada à população das favelas. Como tal, é preciso que se disponha de informações de cada família que mora na favela para a qual está sendo planejada a moradia. Nesse nível de planejamento habitacional as decisões não tomadas em relação à unidade familiar.

MODÊLO DE QUESTIONAMENTO

O questionamento para o levantamento sócio-econômico é bastante simples e funcional. A orientação que a equipe imprimiu foi a de que todas as perguntas feitas devem fornecer dados para uma decisão. Assim sendo, o planejamento da habitação para uma certa família baseia-se nas perguntas que foram respondidas pela mesma.

É extremamente difícil haver questões que satisfaçam plenamente os objetivos desejados. Isto porque a favela é uma comunidade na qual o entrevistador é obrigado a acreditar no que diz a grande maioria dos moradores, uma vez que é quase impossível exigir um comprovante de suas afirmações.

Uma das perguntas fundamentais de nosso questionário é o número de pessoas que moram no barraco. Com essa informação associada à da renda, decide-se o tipo de moradia, se de um, de dois ou de três quartos, ou ainda parque proletário, remanejamento ou cidade triagem, no caso de renda insuficiente.

O número de filhios é facilmente comprovado através da certidão de nascimento, o problema é a confirmação da alegação do entrevistado, quando o mesmom diz morarem naquele barraco um ou mais agregados. Aceita-se a informação como certa, porque não há como verificar na carteira profissional, carteira de saúde, ou atestado de residência, o número do barraco. Estes documentos, quando muito, declaram a favela em que a pessoa mora. A não aceitação dos dados pode levar a problemas maiores, como a de planejar um tipo de moradia menor do que as necessidades da família dos entrevistados. Em casos assim, solicita-se o documento de identidade dos agregados, pois tal procedimento vem apenas diminuir a chance de erro.

A segunda informação mais importante de nosso questionário é a renda da família, que possibilita a aquisição de uma residência pelo BNH – CHISAM – COHAB.

A complexidade desse dado é muito maior do que qualquer outro, pois a sua verificação é muito mais difícil do que a do número de pessoas na residência.
O melhor comprovante de renda para a equipe é o salário constante da carteira profissional ou contra recibo de pagamento. Oque ocorre é que apenas uma pequena porcentagem da mão de obra da favela pode comprovar o seu salário, por meio da carteira assinada, ou contra recibo, uma vez que o o empregador geralmente não declara salário efetivamente pago ao seu empregado.

Cerca de 75% da mão de obra encontrada nas favelas não são especializadas. Em geral, são pessoas que prestam serviços como guardadores e lavadores de carros, empregada doméstica, lavadeira, etc; não possuindo carteira profissional, recibos ou documentos que comprovem a renda. Em casos frequentes parte da renda pode ser comprovada, a outra , às vezes maior do que a que consta da carteira profissional, é cíclica e incomprovável.

Há uma instabilidade muito grande no setor de mão de obra não especializada que abrange a maioria da população. Uma família que hoje apresenta renda suficiente para comprar uma habitação, um mês depois pode ter sua renda diminuida com o desemprego de um de seus membros. Esse problema se desdobra em duas partes:
a) Como comprovar a renda real de um favelado que percebe, além do salário que está na carteira de trabalho, um adicional incomprovável.
b) O morador está empregado na data da pesquisa e se desemprega após se transferir para o conjunto.21


É bem verdade que as obras foram construídas, mas não terminadas. Os moradores tiveram que completar, aos poucos, a casa que lhes foi entregue. O piso era crú, no cimento puro, muitas casas não tinham pias ou snitários; a água era precária, por muitos anos os moradores penaram, carregando água ladeira abaixo para cozinhar e tomar banho.

Nos registros do 'Projeto CHISAM” conclui-se claramente que não houve um cálculo preciso para a o total de construções das unidades habitacionais. E, também não é relevante a afirmação de que as casas construidas seriam direcionadas aos favelados. Certeza disso é o fato de que a maioria dos moradores dos conjuntos habitacionais não conseguiram quitar seus imóveis conforme previsto. A partir daí o BNH passa a financiar casas para a população de renda mais elevada, até mesmo a classe média.

A ENTREVISTA CODIFICADA”, assim designada pela CHISAM, deixa transparecer que a idéia principal era preparar os moradores para a remoção, mas, de maneira velada, suas vidas, no que tange a parte sócio econômica seria desvendada e direcionada a um destino para ele, até então incerto. Um questionário que deveria simplesmente ser respondido, sem saber exatamente a que se destinava, ou qual o peso relevevante na aquisição da nova casa. Para uma melhor compreensão do método utilizado no questionário descrito, continuamos a reproduzir o trecho que elucida esse assunto:

Os dados relativos à ocupação e bairro em que o favelado trabalha são importantes, porque a ocupação da o grau de segurança que o novo mutuário poderá oferecer em termos de pagamento do imóvel a ser adquirido. A pessoa com uma ocupação especializada tem maior segurança no trabalho do que uma sem essa qualificação.

Para suprir as dificuldades que surgem com os informantes que não podem comprovar renda, foram elaboradas questões relativas ao nível de consumo. Sabe-se, que por teoria, que há uma correlação entre renda e padrões de consumo, ou seja, famílias com renda mais alta tendem a consumir mais.

Foram escolhidos dois tipos de consumo para comprovar a renda:
a) Tipo de habitação, incluindo piso e tamanho da residência.
b) Bens de consumo duráveis.

Completando a teoria de que há uma correlação entre renda e nível de consumo, pode-se acrescentar que foi feita uma pesquisa entre populações oriundas de várias favelas morando em conjuntos habitacionais, e ficou constatado que as famílias de renda mais alta eram as que despunham de maior quantidade de bens duráveis.

Os dados a seguir mostram a existência de bens de consumo duráveis, verificada nas habitações de dois conjuntos residenciais construídos em 1969 e que envolvem um universo de cerca de sete mil famílias que foram removidas e onze favelas totalmente modificadas e localizadas em diversos pontos do Estado.


Esses bens de consumo duráveis, bem como tipo, piso e tamanho da casa, recebem um coeficiente em termos de percentagem. A cada bem de consumo é atribuído um peso totalizando 100% ( cem por cento ). O entrevistado que declara uma renda alta e não dispõe de documentos para comprová-la deverá assumir um nível de consumo nessas duas escalas, suficiente para que possa entrar no planejamento de uma habitação nos conjuntos habitacionais da CHISAM. O questionário anexo mostra como por declarações diretas ou interpletações visual do entrevistador pode-se avaliar a renda familiar real do favelado independente das informações por ele prestadas.

NOME DO RESPONSÁVEL_________________________Nº BARRACO_______
IDENTIDADE Nº__________________
EMPREGO ATUAL (OCUPAÇÃO)____________________BAIRRO____________
NOME DA EMPRESA________________________________________________
CARTEIRA ASSINADA_____________SIM______________NÃO_____________
SALÁRIO_______________________________OUTRAS RENDAS____________
NOME DO CÔMJUGE________________________________________________
EMPREGO ATUAL______________SALÁRIO____________BAIRRO__________
Nº DE DEPENDENTES MENORES DE 18 ANOS
FEMININO_________MASCULINO_________________
DEPENDENTES MAIORES DE 18 ANOS
NOME_______________OCUPAÇÃO_________PRÓPRIO_____AGREGADO___
SITUAÇÃO DO BARRACO
PRÓPRIO________CEDIDO__________ALUGADO_____________
QUANTO PAGA DE ALUGUEL______________________________
TIPO DE BARRACO
COZINHA DENTRO DO QUARTO___COZINHA E QUARTOS SEPARADOS_____
QUARTO, SALA E COZINHA SEPARADOS_______________________________22

O trecho observado acima trás uma revelação maior quanto ao proceso utilizado pelos órgãos envolvidos na remoção; em relação a orientação dada aos moradores da favela no evento de pré cadastramento. No texto, detectamos, mais uma vez, a não cumplicidade dos entrevistadores para com os entrevistados. Há no ato da entrevista um “parecer visual”, onde o entrevistador ao reparar os bens de consumo, a estrutura que divide a casa e, que tipo de piso reveste a casa, tem de antemão; antes mesmo de se começar a entrevista, o parecer definitivo da situação.

A afirmação de que somente seriam removidas as favelas que “por motivos evidentes” não pudessem permanecer onde se situam, é fator de controvérsias , ou algo que deve ser analisado. Os incêndios que se deram nas favelas, após o início das remoções, devidamente documentados pelos canais midiáticos, não deixaram opções aos favelados. Destituídos de suas moradias não tiveram opção, o jeito foi aceitar o destino traçado, que muitos, sem consulta prévia, tiveram que aceitar.

Os conjuntos habitacionais construídos pela CHISAM-BNH-COHAB já não guardam a mesmas paisagems de suas inaugurações. Aos pouco as chamadas “puxadas” tomaram conta dos entornos, em alguns casos específicos por causa do aumento das famílias; assim, surgiram os becos, assim sumiram os jardins que outrora cincundava de plantas as unidades habitacionais. O plano de remoção fracassara, pois, algumas favelas que não haviam sido destruídas por completo aumentaram de tamanho. Por volta de 1975, o plano de remoção foi aos pouco perdendo forças e, a meta de ver a Zona Sul sem a presença das favelas foi se se esvaziando. Não havia mais verbas para bancar o plano de erradicação. O BNH passou então a financiar moradias para a classe média até 1986, ano de sua extinção.

Muitos líderes que sobreviveram ao movimento de remoção conseguiram se manter em suas comunidades, graças a uma forte mobilização de resistência. Cantagalo, Rocinha e Pavãozinho são parte e símbolo desse movimento. Muitos intelectuais atuaram juntamente com os líderes de associações, engrossando a massa que clamava pelo direito de permanecer no local.

Ainda hoje os políticos não entendem que a favela não pode ser vista como algo ilegal ou provisório. O espaço da favela é constantemente e, há muito, arena de disputa eleitoral, onde os moradores, por causas da burocracia funcional, simpatizam-se pelos serviços assistencialistas de políticos oportunos. Corte de cabelo, emissão de carteira de identidade, e outros serviços que deveriam estar ao fácil alcance da população, são distribuídos ao longo dos anos e com isso, contribuíndo para perpetuar o candidato no seu reduto eleitoral. Não é difícil encontrarmos na comunidade quem esteja agradecido e convencido de que “aquele candidato” , que há anos serve a comunidade com os seus serviços assistencialistas, é o candidato ideal.

CIDADE ALTA: O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO CULTURAL E POLÍTICO DE UM BAIRRO – DE 1969 À 1976

Dessa maneira, aconteceu a remoção de favelas que originou a migração dos antigos moradores da Favela da Praia do Pinto para o Conjunto habitacional da Cidade Alta. Nossa missão é identificar ou não o progresso socioeconômico nas vidas dessas pessoas. Se houve uma evolução intelectual no que se refere a educação e, se a remoção foi um fator positivo ou negativo no decorrer dos anos. Somente através da narrativa dos moradores, é que teremos como resgatar o passado. Teremos memórias dos que preferem esquecer e dos que fazem questão de não esquecer. São memórias diferenciadas. Alguns estão propensos a defender o que ideologicamente acreditam, mesmo que isso lhes custe o silêncio da verdade. Outros tentarão lembrar do que foi bom e esquecer o que foi ruim. Ainda outros farão questão de esquecer de tudo: a memória da resistência e a memória da comunidade. As duas, em algum momento do passado, entraram em choque. Os líderes comunitários que desejavam resistir e, os moradores que anseavam por partir; ou vice-versa. Ou ainda, o morador que anseava uma nova vida, e os que não queriam perder os seus laços de família, amizade e compadrio. Alessandro Portelli fala do papel do historiador diante dos contratempos da memória dividida:

...a tarefa do especialista, após recebido o impacto, é de se afastar, respirar fundo, e voltar a pensar. Com o devido respeito às pessoas envolvidas, à autencidade de sua tristeza e à gravidade de seus motivos, nosa tarefa é interpretar criticamente todos os documentos e narrativas, inclusive as delas.Como tentarei demonstrar na verdade, quando falamos de uma memória dividida, não se deve pensar apenas num conflito entre a memória comunitária pura e espontânea e aquela 'oficial' e 'ideológica', de forma que , uma vez desmontada essa última, se possa implicitamente assumir a autencidade não-mediada da primeira. Na verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e culturalmente mediadas”.23

São as várias memórias que processadas e analisadas irão compor o resgate e a história da comunidade em questão. Todas as diferenças e pontos de vista devem ser considerados pelo historiador, este, destituído da emoção e partidário da imparcialidade. O que passa a importar é a observação intuitiva e, os múltiplos caminhos que a pesquisa oral proporcionará antes mesmo do desfrecho da pesquisa.

O historiador que se propõe a trabalhar com a história oral, deve conseguir a informação e processá-la e, em momento algum deve ter como ponto de partida à sua pesquisa a preposição de suas verdades. O pesquisador deve se despir de opiniões vazias e encontrar o seu verdadeiro objetivo diante de seu objeto de estudo.

Toda a história tem início a partir dos registros. O que não foi contado e registrado não é história. O próprio registro oral, que passa de geração para geração, pode ser um mito ou lenda, mas, quando registrado e, até mesmo descoberto a sua origem, é capaz de elucidar comportamentos, ritos e diversidade cultural de vários povos.

O incêndio que ocasionou a retirada imediata, em 1969, dos moradores da Praia do Pinto, ainda hoje não foi diagnosticado quanto a sua causa. Muitos falam em especulação imobiliária, outros que na época faziam parte do governo tentam justificar a remoção dizendo que a população, agora poderia viver longe das arbitrariedades dos marginais que dominavam a favela. O paradoxo desse contexto é que, o Estado, no que se refere a segurança pública não mostrou presença ostensiva e decisiva no combate ao crime nas unidades habitacionais. Um personagem muito conhecido dos antigos moradores da Praia do Pinto, foi a professora Sandra Cavalcanti, na época secretária dos Serviços Sociais do Estado da Guanabara. A figura de Sandra Cavalcante ,trazia, segundo análise de registros midiáticos da época, um certo desconforto aos favelados da Praia do Pinto. Conhecida pela fama de durona e, por participar ativamente nos processos de remoções, era vista como a principal suspeita no incêndio que extinguiu de vez com toda a favela.

Muitos moradores da extinta Praia do Pinto foram morar no Conjunto Habitacional da Cidade Alta – tema principal desse trabalho. Como podemos observar, o incêndio que motivou a forçada remoção, foi o ator principal e, responsável pela inauguração de um novo bairro da Zona Norte, localizado em Cordovil. A remoção, ainda em fase de pré cadastramento teve que ser antecipada por causa do desastroso acontecimento. A partir daí é empreendida uma grande saga dos moradores da Praia do Pinto em direção aos conjuntos habitacionais da Cidade Alta. Ainda hoje encontramos vestígios na vida desses moradores de um incêndio que não se apagou.É no site www.oglobo.globo.com/rio/bairros que encontramos a ilustração que narra esse acontecimento.

O Leblon já teve uma das maiores favelas da cidade. No terreno onde estão hoje os prédios do Selva de Pedra havia a Favela Praia do Pinto, com cerca de 40 mil moradores. A comunidade foi extinta definitivamente em 1969, após um incêndio de grandes proporções. Como os barracos eram feitos de madeira, o fogo, de tempos em tempos, aterrorizava a vida dos habitantes. Foram sete incêndios no total, e até hoje há suspeitas de motivação política para alguns deles por causa da especulação imobiliária da época. A Cruzada São Sebastião, com dez blocos e cerca de 3 mil moradores, guarda lembranças da vida na Praia do Pinto. Muitos moradores se mudaram da comunidade para o conjunto habitacional criado por Dom Helder Camara nos anos 50. 23
O incêndio que não se apagou esta não só na memória dos que tiveram que se mudar às pressas, mas também nas condições de vida social, econômica e política que se desenvolveu no bairro desde sua existência. Logo abaixo temos o momento do incêndio registrado e disponibilizado no site:
Fig.4 –Incêndio na Favela da Praia do Pinto em 1969-Disponível e m
em 16/04/2012.


Fig. 5 – Praia do pinto em 1964 – Disponível em




O que nos importa como produto final desse trabalho é, traçar um quadro elucidativo, onde possamos tirar nossas conclusões quanto as condições sócioeconômica da população, tendo em vista a infraestrutura interna;e ou, o desenvolvimento da cidade com o passar dos anos. O sucesso dessa empreitada esta diretamente ligada às condições em que foram entregues o conjunto habitacional, bem como, a situação socioeconômica de seus ocupantes na época da remoção e no tempo atual.



Sabemos que os critérios da remoção levou em consideração o poder aquisitivo das pessoas. Esse simples ponto conceitual adotado pela CHISAM mudou drasticamente a vida de centenas de famílias que vieram morar na Cidade Alta. Os bicos eram contados como ponto positivo nas rendas das famílias, portanto, um morador da favela que tinha dois ou três bicos era apontado como apto a pagar as prestações da futura moradia. Mas, a distância do local de trabalho comprometeu o bico de muitos moradores que ganhavam a vida na informalidade. Com a perda da renda a qualidade de vida familiar cairam vertiginosamente e, outros membros da família foram obrigados a trabalhar fora, inclusive as mulheres. Outro fator que influiu muito a vida dos primeiros moradores da Cidade Alta, foi a separação dos vizinhos e parentes de longos anos na favela da Praia do Pinto. Muita mulheres que trabalhavam fora, contavam com a ajuda da vizinhança ou de parentes para olhar as crianças. Como o lugar para onde eram removidos era definido pelo fator renda, muitos vizinhos e parentes foram separados e, diversas famílias tiveram que se reestruturar nesse sentido. Na época da remoção, os que tinham uma renda maior, ou a comprovasse por meio de posses de mobílias em seus barracos, iam direto para a Cidade Alta. Os que tinham uma renda menor eram embarcados para a Cidade de Deus- favela localizada em Jacarépagua, Zona Oeste da cidade.

A delimitação dessa pesquisa termina no ano de 1975. A razão desse limite baseia-se justamente no ano em que o Governo Militar desiste de dar continuidade às remoções por causa da falência do projeto. O que ocorreu na verdade ficou explícito nas estruturas originais dos conjuntos habitacionais e, na mudança geográfica de seus entornos. Muitas famílias perderam poder aquisitivo ao mudarem-se para a Cidade Alta. Suas rendas eram comprometidas em até 70% para o pagamento dos carnês, que durariam vinte anos para a sua quitação. Uns dos pontos negativos do plano de remoção foi justamente a alta prestação a que os assalariados foram obrigados a pagar,mpossibilitados de arcar com as despesas e perdendo gradativamente qualidade de vida; foram obrigados a vender seus apartamentos e comprar barracos no entorno do bairro. Isso se aplica também aos núcleos familiares que casavam seus filhos e precisavam de um lugar para morar. O mais acessível estava em uma das favelas do entorno que acabou por envolver toda a Cidade Alta. Um de nossos entrevistados, o sr. José nos cedeu cópia de uma prestação para que pudéssemos compara com o salário mínimo da época. Logo abaixo podemos ver essa projeção:
Figura 6 -Carnê da COHAB- Uma das prestações que seriam pagas em 20 anos.

Através do recibo cedido pelo sr. José, podemos constatar o grande contraste no preço da prestação, o que nos leva a crer que as moradias não levaram em conta a população de baixa renda. Pela data de vencimento do carnê verificamos o salário mínimo vigente da época que era de CR$ 187,20 ( cento e oitenta e sete cruzeiros e vinte centavos). Isso quer dizer que, os moradores comprometiam mais de sessenta por cento de suas rendas para pagar a casa própria. No exemplo do sr. José, houve um atrazo e a prestação subiu de R$ 109,93 ( cento e nove cruzeiros e noventa e três centavos), para R$ 153,90 (cento e cinquenta e três cruzeiros e noventa centavos), ou seja, mais de 80% dos soldos da maioria dos moradores que ganhavam salário mínimo ou viviam de bicos.

Outra solução encontrada que acabou alterando a arquitetura do local, foi a chamada “puxadinha”. A construção de mais um quarto manteria a nova família no mesmo teto.

Hoje o local é reconhecido pelo governo como favela, ou melhor, “Complexo da Cidade Alta”, que envolve as favelas que foram surgindo ao seu redor durante os anos de 1970 (Divinéia, Pica-pau, Serra Pelada e Chega Mais).

Através de pesquisa que realizamos com moradores que vieram da Praia do Pinto, constatamos que a situação sócioeconômica desses melhoraram com o passar dos tempos; mas, ao traçar esse perfil, verificamos que a segunda geração foi quem se beneficiou desse avanço. Os primeiros moradores, em sua grande maioria, que tinham empregos fixos permaneceram neles até se aposentarem. Seus filhos e netos já não querem ter a vida que seus pais levaram e, uma grande parcela conseguiu concluir o segmento escolar de 2º grau e, uma parcela menor concluiu uma faculdade. O grande diferencial é que, enquanto os primeiros moradores ainda vivem na Cidade Alta, ao menos 35% de seus descendentes foram morar fora do complexo, ou seja, em outro bairro.

Muitos moradores antigos tiveram sorte e talento na empreitada da nova moradia. O caso do sr. Jorge de Andrade, por exemplo, que ao vir para a Cidade Alta trabalhava na PM. ainda hoje, com seus 67 anos de idade, depois da reforma, trabalha como operador de máquina. Oriundo da favela do Esqueleto, Jorge é casado, e bem casado, como tem orgulho de dizer; e tem quatro filhos: dois homens e duas mulheres. Das duas meninas, uma é enfermeira e outra é professora. Dos meninos, um concluiu o segundo grau e o outro cursa o primeiro grau.

Seja através da infraestrutura interna do bairro, ou fatores externos relacionados a previdencia governamental, percebemos uma melhora nas condições socioeconômica dos moradores. Para podermos compreender melhor o que foi reservado como infraestrutura aos núcleos familiares da Cidade Alta, temos que nos reportar a discrição da CHISAM (1973)quando do planejamento da arquitetura do novo bairro:

Cidade Alta – Trata-se de um conjunto equipado com lojas para comércio, escolas em niveis primário e secundário e clube recreativo em formação.
A Ação Comunitária do Brasil está desenvolvendo um programa com a finalidade de aumentar as oportunidades dessas famílias na área urbana
Assim é que foi criado um Centro de Treinamento Profissional que funcionará em convênio com o Departamento Nacional de mão-de-obra do Ministério do Trabalho e Previdência Social.”

As famílias que foram removidas para a Cidade Alta perderam espaço urbano e, asfixiados foram se adaptando e, aos pouco, com o passar dos anos, recuperando, ou substituindo, de alguma maneira, a sua maneira de viver. Na Praia do Pinto era normal o espaço urbano oferecer atrativos que eram comuns a todos. A praia, o cinema, as ruas do bairro, as praças e clubes eram frequentados por classes diferenciadas. Havia uma certa liberdade e poder de escolha. O objeto de consumo estava ali, bem a frente dos citadinos. Derrepente, ter tudo isso bem longe gerou uma sensação de abandono e, ao mesmo tempo, os sentidos aguçaram-se em busca de alternativas mais próximas. Um exemplo bem típico nesse sentido foi a Praia de Ramos que ficava lotada nos finais de semana com famílias inteiras vindas da Cidade Alta; o cinema de Ramos e o de Olaria atendia na época a zona da Leopoldina. Por conta disso os clubes e agremiações perceberam a carência de lazer nos anos 70 e abriram suas portas para a explosão das discotecas.

Sr. Jorge, um de nossos entrevistados, é enfático ao falar sobre sobre a infraestrutura inicial da Cidade Alta. Em seu depoimento ele nos conta que foi a favor da remoção, pois “ saí de um barraco e vim morar em um apartamento”. Apesar disso, Jorge observa que faltou posto de saúde e as escolas vieram bem depois.

Segundo depoimento de outra moradora, Mariza – havia ainda muitas ruas sem calçamento.Quando foi para a Cidade Alta, Marizinha- como prefere ser chamada por todos, trabalhava como governanta, e hoje é formada como guia de turismo. Tem um casal de filhos, ambos terminaram a faculdade- fala com orgulho Marizinha. Dizendo-se à favor da remoção, ela nos conta que houve uma preparação por parte da Prefeitura e, que chegou na Cidade Alta de caminhão.

Os dois filhos de Marizinha não moram mais na Cidade Alta e nem em seu entorno, o que nos chamou a atenção, diante de outras entrevistas que quanto maior o grau de escolaridade, maior a possibilidade e desejo de morar fora do local de origem. Restam os sentimentos bairristas dos que não puderam ou não quiseram se ausentar.

Já colocamos aqui a visão da Cidade Alta no olhar do governo que, classifica o conjunto como um complexo de Favelas. É importante ressaltarmos a visão dos moradores da Cidade Alta, em relação a eles mesmo. Como seria o parecer desse quadro em sua maior inversão: o olhar do asfalto para a favela. A socióloga Denize, ex- moradora da Cidade Alta, em entrevista a Ação Comunitária do Brasil esclarece:

...Afinal de contas, o que é uma favela? E aí eu descobri que nem mesmo o IBGE tem uma noção muito clara. Ele diz que são espaços degradados.Enquanto tal existem muitos por aí, qualquer puxada (construção irregular), qualquer bairro de periferia, se é um espaço degradado, pode ser qualificado como favela. Percebi também que favela, dependendo de quem fala, pode ter perfis diferentes. Para o morador, a favela é positiva quando ele precisa dessa identidade e negativa, quando atrapalha. Quando ele vai arrumar um emprego, ele não gosta de dizer a moradia porque aquilo denigre ele. Mas se está diante de uma oportunidade, digamos de um político, a identidade de favelado pode ser proveitosa.”

A construção da identidade bairrista depende do contexto histórico vivido pelo morador de determinado lugar. Ele assume uma certa defesa em relação ao lugar, devido a sua vivência, ou seja, lugar onde nasceu, cresceu, estudou, se divertiu e costurou laços de amizades. É comum escutarmos de alguns moradores que não sairiam do bairro por nada nesse mundo, como também, em sua minoria, outros enfatizam o desejo de se mudarem. A explanação acima nos revela que o bairrismo pode superar a posição socioeconômica de determinados moradores e, a autodenominação de favelado depende muito da situação que se coloca diante dele.

Diante das explanações, nos inclinamos a perceber que, este aglomerado de cimento armado que é a Cidade Alta, suscita ações internas e externas. O complexo, na verdade, virou algo que sofre mutações ao longo de sua existência conforme o olhar do interessado, seja ele o morador, o político ou uma instituição. Para o asfalto a favela revela um lugar perigoso, esconderijo de marginalizados. Para o favelado a favela assume que dependem de suas circunstâncias. É nesse contexto que Denize orienta a sua fala:

Pro asfalto, por assim dizer, a identidade de favela continua clássica, de marginalidade, de população analfabeta, de degradação moral, de degradação urbana. Pras autoridades, continua sendo um problema de saúde pública, de arquitetura urbanístico. O que importa é que atualmente a favela vem ganhando um novo olhar sobre ela. A favela ganhou um qualificativo, mas do que um substantivo.Então quando a prefeitura quer fazer melhorias num conjunto habitacional, ela inventa um novo nome que é o Pró Morar Carioca que é prá áreas favelizadas. Então, não é apenas o morador que vai ter o olhar de conjunto habitacional favelizado,mas também a autoridade. Daí vem toda uma ambiguidade que faz com toda essa idéia de favela seja um verdadeiro joguete na mão da sociedade.”


Trabalho Monográfico de: Marcelo Claudino Henrique/Pós Graduação na Simonsen /Direitos Reservados.

3CHALHOUB,Sideney. Cidade Febril:cortiços e epidemias na corte imperial.São Paulo:Companhia Das Letras,1996, p.15-16.
5Relatório apresentado ao Ex.Sr.Dr.J.J.Seabra-Ministro da Justiça e Negócios Interiores.Referência na Biblioteca de Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro: 728.2:333.32 B126).
6Idem
7VALLA,Victor,Vicent. Educação e Favela: Políticas para as favelas do Rio de Janeiro, 1940-1985.Rio de Janeiro: Vozes: 1986,P.90

8Disponível em www.favelatemmemoria.com.br Acesso .05/04/2012.
9Jornal do Brasil.Rio de Janeiro. Edição de 16/12/1979,P. 31
10VALA, Victor Vicent.,op. Cit, loc. cit
11Jornal do Brasil.op. Cit. Loc. cit
12CHISAM-Referencia no Arquivo da Cidade: 333.322 (815.41)
13CHISAN,op.cit. p.12
14VALA, Victor Vicent.,op. cit., p. 91 et seq.
15Ibidem, p.93
16Ibidem, p.94
17CHISAN,op.cit.. loc. cit


18Disponível em www.favelatemmemoria.com.br Acesso .16/04/2012.
19Idem.
20CHISAM, op.cit, p.13, et, seq.
21CHISAM, op.cit, p.26, et, seq.
22Ibdem, p.26-51
23PORTELLI, Alessandro apud FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da História Oral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 106.



Um comentário:

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